sexta-feira, 6 de julho de 2012

De novo, a universidade e a gratuidade



Já escrevi um post neste blog sobre minha indignação com a oferta de ensino superior como um serviço público no Brasil. Em suma, todos contribuem para o financiamento de um serviço que é usufruído apenas por poucos, sendo estes poucos justamente os membros das classes mais abastadas da sociedade, o que significa um autêntico programa social de transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos. Hoje, vi que a Academia Brasileira de Letras e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência acharam por bem se manifestar a favor da autonomia e da qualidade das universidades e, consequentemente, contra o PLC 180/2008. Segundo esse manifesto, o projeto de lei:

"determina a reserva de 50% das vagas em IFES para estudantes oriundos do ensino médio em escolas públicas. Adicionalmente, em seu Artigo 2º, proíbe a realização de exames vestibulares ou o uso do ENEM, obrigando que o processo seletivo adote exclusivamente a média das notas obtidas pelos candidatos nas disciplinas cursadas no ensino médio, tornando assim o ingresso no ensino superior dependente dos critérios de avaliação de cada escola. Ainda, o Artigo 3º determina que essas vagas, em cada curso e turno, sejam destinadas a candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas, no mínimo igual à proporção de pretos, pardos e indígenas, na população da Unidade da Federação onde está instalada a instituição".

Não vou discutir o mérito de cada uma dessas propostas. Tampouco, discordo da tese segundo a qual uma lei do tipo afetaria a qualidade das universidades, afinal, se uma instituição é livre para selecionar os melhores egressos do ensino básico, ela já andou metade do caminho para ofertar os melhores cursos superiores. Na minha área, por exemplo, eu bem conheço o tamanho do desafio de lecionar filosofia para quem, além de não ter uma segunda língua, sequer domina minimamente a língua materna. Isso para nos atermos apenas a uma habilidade que seria pré-requisito do curso. A questão, porém, penso eu, é outra.

Não vejo a privatização das universidades no horizonte. Na verdade, não acredito mesmo que existam condições políticas propícias à aprovação de um projeto que preveja meramente o fim da gratuidade. Como também não é possível que o país amplie suas vagas públicas a ponto de incluir todos os jovens interessados em um curso superior à sua escolha, parece que só nos resta ao menos deixarmos de direcionar o privilégio do ensino superior às classes mais abastadas.

Meu argumento contra a legitimidade da presente situação, basicamente, apoia-se nos seguintes pontos: 1) Ainda que os aprovados nas universidades, via Enem ou vestibulares, tenham realmente mais mérito do que os reprovados, disso não se segue que seja verdade que os demais tenham o dever de financiar os estudos dessa elite intelectual (pense ainda nos que nem sequer querem cursar uma universidade, mas também pagam por ela); 2) o próprio mérito dos aprovados é um ponto discutível, uma vez que ninguém compete em condições de igualdade.

Pelas razões supracitadas, parece-me então, não o melhor dos mundos possíveis, mas um mundo mais razoável, aquele em que os privilegiados pela gratuidade do serviço público sejam também aqueles sem condições de pagar pelo serviço na iniciativa privada.

Agora, não sejam inocentes. A consequência imediata de uma lei assim, como falei, seria uma queda de qualidade nas universidades públicas. Mas não seria só isso. A longo prazo, viria o completo sucateamento do ensino superior, como aconteceu com o ensino básico e como já está sendo visto nas próprias universidades. Os mais ricos, por sua vez, excluídos do sistema público, gerariam demanda por um sistema privado, que receberia então, não apenas os melhores alunos, como também aqueles que não aumentariam os seus índices de inadimplência. Quais seriam então as melhores universidades do país, as públicas ou as privadas? Portanto, tome cuidado com o que desejar.

4 comentários:

  1. Eu mudei muito o que penso sobre a gratuitamente da universidade publica depois de cinco anos aqui nos EUA. Por mais que eu ache que a implementação de uma taxa simbólica (algo como 300 reais por semestre) fosse uma boa idéia, simplesmente importar o modelo das faculdades privadas me parece um tiro no pé. O que vejo aqui nos EUA e uma guerra fiscal entre as universidades publicas, que raramente podem competir com as privadas em termos de prestigio, então se digladiam para oferecer melhores preços nas tuitions e taxas, enquanto as grandes instituições cuidem cobrar o que bem entendem, já que os alunos não vão hesitar em adquirir uma divida de trezentos mil dólares por ano para ter um diploma da Harvard.
    O bizarro e que até o sistema publico e caro. Aqui na SIU, que e uma universidade pequena, um doutorado em filosofia custa cento e vinte mil dólares. Alguns alunos conseguem descontos e pagam um total de trinta, ou quarenta mil dólares em taxas escolares nos quatro anos de doutorado. A idéia de uma bolsa governamental que te deixa pagar nada e fazer o doutorado sem custos e impensável... Mas o nível de endividamento dos alunos e absurdo e esta virando um problema serio, ainda mais neta crise.
    Então acho que tem um tanto de pensamento magico nesta história de tornar a faculdade publica um serviço pago. Ok. Entendo os motivos. Mas será que o Brasil tem a estrutura para agüentar o tiro de milhares de jovens saindo da faculdade com dividas de cem mil reais?

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    1. Eu entendo seu ponto quando pensamos que a universidade deve ser para todos. Aliás, é esse o slogan: "universidade pública, gratuita e de qualidade para todos". Com esse ideal, não adianta mesmo apenas retirarmos o fator "gratuidade" da equação, pensando que, com isso, harmonizaremos os demais fatores, porque, naturalmente, nem todos poderão pagar por uma universidade. Então, além do fator "gratuidade", eu atacaria tb o "para todos".

      Veja bem, porque alguém precisa cursar uma universidade, pagando por toda uma infra-estrutura e professores super titulados, para se tonar, por exemplo, um contador? Quando eu dava aula para o curso de contábeis, acho q 100% dos alunos criticavam o fato do diploma universitário ser pré-requisito para o exercício da profissão. Eles queriam um curso técnico, que, se fosse pago, custaria muito mais barato para o aluno e, em sendo gratuito, custaria mais barato para o governo.

      Dito isso, se, mesmo havendo carreiras técnicas à disposição, a pessoa quiser se endividar para adquirir uma formação menos técnica e mais acadêmica, é um investimento q ela estará fazendo no futuro dela. Como em todo investimento, há riscos. O q não pode ser é q o pobre faça esse investimento na carreira do mais rico, com um discurso do tipo "o país precisa de médicos". Afinal, o médico será o mais rico, enquanto o mais pobre não servirá nem para paciente, quando o mais rico já estiver formado. Da mesma maneira, tb não acho q a solução seja simplesmente abrir as portas das universidades para os pobres, porque o resultado disso está sendo o sucateamento.

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  2. Saio de casa sem um tostão. Pago tudo com cartão sem o menor problema.Ou seja, existem meios técnicos para uma "universidade" na Internet. Coisa aberta para quem quiser. Coloquem na rede os conteúdos, as conferências, a tralha toda. Depois façam provas públicas como o exame de ordem da OAB. Existem casos em que haverá necessidade de uma suplementação prática, mas serão muito poucos. O sujeito quer ser professor secundário de filosofia? Faça o concurso público do conteúdo e depois o empregador se encarrega da parte didática. Claro que nada disso será implementado, já que existe forças poderosas (políticos donos de faculdades, sindicatos de professores, associações de mestrados,burocracias estaduais e federais, etc.)que impedem. Mas a senhora já sabe disso tudo. Universidade presencial é uma chatice... A maioria dos professores (existem honrosas exceções) só repete o que se pode ler melhor nos livros ou na Internet. Noves fora, as intermináveis greves. A senhora também sabe disso. Nos EUA, o MIT esta disponibilizando o conteúdo de seus cursos na Internet, quer dizer, o futuro do saber está na rede e uma universidade de pedra tijolos e carne é um arcaísmo medieval.
    Grande Abraço e parabéns pelo blog.
    Cláudio.

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  3. Obrigada pelo comentário, Cláudio. Eu gosto muito dessas suas ideias, por mais que, como vc mesmo tenha falado, elas se distanciem mais ainda do que é politicamente factível. Na minha opinião, para radicalizar ainda mais, nem deveria haver diplomas ou qualquer regulamentação do ensino. Haveria indivíduos e instituições que venderiam cursos livremente, seja em modelo presencial ou à distância, e o mercado selecionaria os profissionais capazes. Assim, vc pagaria pelo serviço de ajuda com a aprendizagem do que vc acreditaria que viria a utilizar ou simplesmente daquilo q vc está curioso para aprender. Mas isso é minha utopia, claro.

    Voltando à realidade, o problema dos cursos à distância é o mesmo de muitos cursos presenciais: só servem para distribuir diplomas. Para funcionar, o curso à distância, em especial, precisa de uma transformação de mentalidade na direção daquilo que eu defendi em outro post recente, complementado posteriormente com o vídeo de um educador: o sujeito precisa passar de aluno à estudante, ou seja, ele precisa abandonar sua passividade e se tornar realmente sujeito da sua educação. O duro é isso acontecer em um país onde as pessoas mal são alfabetizadas, pouco se importam com conhecimento e querem que tudo caia do céu (ou do governo) na vida.

    Grande abraço e obrigada por acompanhar o blog :)

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